sábado, 8 de outubro de 2011

ÉTICA E PLURALIDADE CULTURAL

Imagem disponível em: <http://blogs.cultura.gov.br/diversidadecultural/page/4/>. Acesso em: 08/10/11.

Por Giselle Lima

Para discutir sobre pluralidade cultural se faz necessário primeiramente se retornar ao conceito de ética e moral, sendo que ambas não são sinônimas (BOFF, 2003, p.37). De maneira geral a ética faz parte de normas que buscam tornar a vida na Terra mais habitável (BOFF, 2003) e a moral diz respeito à vida concreta individual de cada pessoa. Segundo o mesmo autor, por ética se entende as concepções acerca da vida, instituindo princípios e valores que orientam as pessoas e as sociedades. Diz respeito às reflexões sobre a conduta humana, sendo determinada por lei e é construída em conjunto. Por moral se entende a expressão pela prática de costumes e valores consagrados, individualmente construídos, acaba por ser a posição pessoal frente à ética. A pessoa pode ser moral, mas nem sempre ética.
É importante retornar à ética e à moral, pois quando se refere à pluralidade cultural é necessário ter respeito à diversidade e ter uma posição ética e moral de consideração frente à exuberância que constitui a humanidade, sendo que “a diversidade marca a vida social brasileira” (MEC 2, 2000, p. 28). A sociedade contemporânea está imersa em leis, porém a moral muitas vezes se perde devido à falta de uma efetiva cidadania e a ética capenga, pois até mesmo algumas leis acabam sendo contraditórias.
“A sociedade do conhecimento e da comunicação, está criando, contraditoriamente, cada vez mais incomunicação e solidão entre as pessoas” (BOFF, 1999, p. 11), ou seja, o direito de expressão muitas vezes é silenciado por sistemas excludentes da sociedade capitalista e isso acaba por excluir e não concretizar o direito a todos, levando a solidão, formando os núcleos dos excluídos socialmente, nestas horas as classes suburbanas acabam sendo as mais atingidas e prejudicadas. É triste saber da falta de uma comunicação amorosa e compreensiva, afinal “somente na comunicação tem sentido a vida humana” (FREIRE, 1987, p.64).   
Quando pensamos em raças logo vêm em mente pelo menos quatro palavras: branco, negro, amarelo e vermelho. Porém é necessário ir muito além da quantidade de melanina presente no genoma humano que influencia na cor da pele, ir além dos genes que garantem a cor dos olhos, o tipo de cabelo, a estatura etc. É devastador comparar o negro com pobre e ladrão, o branco com rico e bem sucedido, o amarelo como o baixinho e intelectual, e ainda o vermelho com a pessoa que usa penas na cabeça e anda despida. Esta visão formada parte do senso-comum e é constantemente difundida ainda nos dias de hoje.
Infelizmente nem sempre as pessoas enxergam a diversidade e pluralidade cultural que compõe o Brasil como uma riqueza nacional, fixam-se em estereótipos. Quem ouve falar que na década de 70 no Brasil existiu um negro intelectual chamado Milton Almeida dos Santos, advogado e geógrafo, que marcou os estudos da Geografia no Brasil? Quem ouve na escola que no Brasil existem pelo menos cerca de 206 etnias indígenas sendo que cada uma tem uma identidade própria? Ou ainda quem disse que todo branco é bem sucedido ou que os corruptos não são brancos? Quem sabe a influência dos asiáticos no comércio em São Paulo?
Isto só prova que a discriminação quanto às raças é uma ignorância que surge com a visão do mundo eurocêntrico, onde a Europa é o centro. O Brasil como colônia, mesmo após a independência continua vítima da visão “esbranquiçada” mesmo sendo o país mais "colorido” do planeta. Há manifestos de grupos negros que prezam pelo termo raça, pois o mesmo lembra o racismo, não porque é uma palavra agradável, mas que lembra o preconceito que ainda sofrem devido à cor, lutam para mostrar que são gente como qualquer um, deve ficar claro que racismo não é só referente ao negro, mas a todo tipo de “raça”.
O termo raça tem uma visão dupla, pois depende se estamos falando em sentido reivindicado pela biologia genética ou pela sociologia (GUIMARÃES, 2003, p. 96). A biologia e a antropologia física criaram a idéia de raças humanas, ou seja, a idéia de que a espécie humana poderia ser dividida em subespécies, tal como o mundo animal, e de que tal divisão estaria associada ao desenvolvimento diferencial de valores morais, de dotes psíquicos e intelectuais entre os seres humanos. (GUIMARÃES, 2003, p.96)
A nomenclatura “raça” ainda percorre o senso comum, mas vem sendo evitada pelas ciências sociais pelo fato dos usos pejorativos que alimentam o racismo e a discriminação, já para as ciências biológicas, raça se refere à subdivisão de uma espécie que tem atributos hereditários (MEC 2, 2000, p. 44-45) como já foi descrito. O conceito assenta-se em um conceito biológico e foi utilizado na tentativa de demonstrar uma relação de superioridade e inferioridade entre os grupos humanos (MEC 2, 2000, p. 44) e isto pode ser mal interpretado e gerar formas diversas de discriminação.
O que chamamos de racismo não existiria sem essa idéia que divide os seres humanos em raças, em subespécies, cada qual com suas qualidades. Foi ela que hierarquizou as sociedades e populações humanas e fundamentou um certo racismo doutrinário. Essa doutrina sobreviveu à criação das ciências sociais, das ciências da cultura e dos significados, respaldando posturas políticas insanas, de efeitos desastrosos, como genocídios e holocaustos (GUIMARÃES, 2003, p. 96).
Ainda se percebe que a questão da raça influencia muito nas manifestações de discriminação, exclusão e violência contra a pluralidade genética, cultural e até mesmo social. O que mostra cada vez mais a falta da difusão de uma visão social fundamentada nos Direitos Humanos. “O Brasil não é uma sociedade regida por direitos, mas por privilégios. Os privilégios, por sua vez, assentam-se em discriminações e preconceitos de todo tipo: socioeconômico, étnico e cultural” (MEC 2, 2000, p. 20).
Para almejar o respeito e para evitar os equívocos busca-se substituir o termo raça pelo conceito etnia, já que a mesma tem base cultural, por etnia entende-se um grupo étnico que se diferencia dos outros por sua especificidade cultural (MEC 2, 2000, p. 47). Não tem como fugir do social e por cultura se entende tudo aquilo que o homem produz, fugindo assim do caráter meramente genético e discriminatório da terminologia raça.
É necessário criar-se uma consciência de que todas as pessoas têm direitos e deveres e segundo a Declaração Universal de Direitos Humanos (1948) art. I “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, e ainda a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 coloca a discriminação e o racismo como crimes (MEC 2, 2000, p. 86).
Não tem sentido descriminação, visto que é na diversidade que se alimenta a evolução humana e a perpetuação da espécie, a pluralidade genética, cultural e social não devem ser motivo de desavenças, mas de trocas e aprendizagens. Afinal, todos os seres humanos são membros de uma mesma humanidade e as diferenças surgem em decorrência às culturas distintas (GUERRIERO et al, 2009, p. 13) e da beleza da genética, porém todas são complementares e presentes em um mesmo planeta.
“O preconceito é contrário a um valor fundamental: o da dignidade humana. Segundo este valor, toda e qualquer pessoa, pelo fato de ser um ser humano, é digna e merecedora de respeito. Portanto, não importa seu sexo, sua idade, sua cultura, sua raça, sua religião, sua classe social, seu grau de instrução, nenhum desses critérios aumenta ou diminui a dignidade de uma pessoa” (MEC 1, 2000, p. 102).  Por isto quando se reflete com relação a tudo o que foi exposto até aqui, percebe-se que a relação humana não deve apresentar acepção de pessoas, não é por que é branco ou negro ou amarelo ou vermelho, mas porque antes de qualquer raça ou etnia, posição social, cultura e religião, há um ser humano que tem que ser valorizado e respeitado em sua dignidade. Há um ser que respira assim como você.

22 de Setembro de 2011

 
REFERÊNCIAS

BOFF, Leonardo. Saber e cuidar: ética do humano e compaixão pela Terra. 5 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. 199 p.

BOFF, Leonardo. Ética e moral: a busca dos fundamentos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. 125 p.

DECLARAÇÃO Universal de Direitos Humanos de 1948. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 21/09/2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GUERRIERO, Silas, et al. Antropos e Psique: o outro e sua subjetividade. São Paulo: Olho d’Água, 2009. 153 p.

GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Como trabalhar com “raça” em sociologia. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.1, p. 93-107, jan/jun. 2003.

MEC 1. Parâmetros Curriculares Nacionais: apresentação dos temas transversais: ética. Secretaria de Educação Fundamental. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. 146 p.

MEC 2. Parâmetros Curriculares Nacionais: pluralidade cultural: orientação sexual. Secretaria de Educação Fundamental. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. 164 p.

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